Sabe Waltraud, no momento tenho pensado muito no « Liebestod » de Tristan und Isolde (Tristão e Isolda).
Liebestod que significa “morte de amor”...Morrer de amor...será que realmente já paramos para pensar que coisa fantástica representa isso?
O “morrer” em Tristan und Isolde não está em relação com dor e sofrimento. O “Liebestod” é mais do que uma morte, mas um momento de transmutação, de entrega, de chegar ao fim de um ciclo, “consumar”algo que estava determinado. Eu ousaria dizer que Isolde não morre simplesmente, mas ascende aos céus! É o momento que Isolde desperta para os planos espirituais, ela “vê”, “ouve” o que os outros não percebem. Podemos mesmo fazer analogia com um processo iniciático.
Trazer os grande mitos para a nossa realidade atual (realidade que percebemos enquanto humanidade geral) acredito que seja nivelar a situação por baixo. Somos todos Deuses em formação, centelhas divinas, e os mitos vêem nos lembrar dessa condição (ver texto sobre mitos aqui). Entender simplesmente que Isolde morre para ficar com Tristan me parece muito pouco. Esta obra vêem nos mostrar que nós que devemos elevar nossa condição atual à condiçao ideal dos mitos, que existe uma forma de viver em Amor, de “romper” com as convenções, que a possibilidade de estar em harmonia com o Universo e comprêende-lo com toda nossa alma, os processos iniciáticos, estão abertos à todos aqueles que vivem em Amor. Amor com “A” maiúsculo, amor sem egoísmo, altruísta, incondicional, de espírito para espírito.
O Amor de Isolde e Tristan não é o “fim”, mas sim o “meio” para essa condição.
Para melhor “mergulharmos” na “Liebestod”, vamos desfrutar de duas montagens sensacionais que temos disponíveis em DVD. A montagem de Heiner Müller, em Bayreuth, em 1995 e a montagem de Patrice Chéreau, no Scalla de Milão, em 2007, ambos com Waltraud Meier como Isolde, natürlich!
A idéia desse texto não é discutir a respeito das montagens, mesmo porque ambas são maravilhosas, cada uma dentro de seu ponto de vista, mas simplesmente vejo na montagem de Patrice Chéreau uma visão mais humana e na montagem de Heiner Müller uma visão que chamaríamos talvez de “sobre” humana (lembrando que refiro-me especificamente a ária final, o “Liebestod”, que é o nosso tema)
Tive a oportunidade de assistir a montagem de Heiner Müller em video em um evento wagneriano em 2006. Curiosamente na época morava próximo à Igreja da Maria Madalena em Paris, a qual frequentava regularmente. E justamente pensando no lado sagrado da morte de amor de Isolde, me foi impossível não comparar a imagem do altar dessa igreja, que representa a ascensão de Maria Madalena (porém é uma imagem ambígua, parecendo também Jesus Cristo), com o final da montagem de Tristan und Isolde de Heiner Müller. Só posso dizer que estava nos céus depois de assistir essa maravilha! Quanto a imagem, vejam vocês mesmos! (sem querer comparar Isolde com a figura de Maria Madalena muito menos de Jesus, simplesmente a forma de "ascender", a forma "sagrada" deste momento)
... e este é o altar da igreja...
Interessante, não?!!
Já a montagem de Patrice Chéreau, que é magnífica dentro de uma visão mais humana, assisti ao vivo a sua estréia em transmissão pela TV, e no momento do “Liebestod”, além de toda emoção, fiquei um pouco chocada! A idéia de derramamento de sangue na morte de amor me incomoda um pouco.
O sangue é o meio de expressão para o espírito em relação ao seu corpo físico. E derramamento de sangue esta diretamente relacionado com sacrifício. O maior exemplo que podemos ter é justamente o sacrifício de Jesus Cristo pela humanidade, através do sangue que escorreu no momento de sua morte; porém Isolde não se sacrifica, ela não morre por Tristan, nem pelo amor, mas sim de amor, de êxtase divino.
Isolde busca um estado de espírito para consumar o amor divino que ela conquistou, fruto do processo alquímico da transformação da paixão em amor que acompanhamos no decorrer da obra. Sendo assim ela encerra com as palavras: “nesta onda universal da respiração do mundo, eu mergulho, eu me afogo, inconsciente, êxtase máximo!”
E então podemos mergulhar junto com Isolde, aqui na montagem de Patrice Chéreau:
E aqui na montagem de Heiner Müller: