Foto de Alvaro Garcia, Jornal "El Pais"

"Liebestod" em "Tristan und Isolde"... e Isolde ascende aos céus.

Sabe Waltraud, no momento tenho pensado muito no « Liebestod » de Tristan und Isolde (Tristão e Isolda).

Liebestod que significa “morte de amor”...Morrer de amor...será que realmente já paramos para pensar que coisa fantástica representa isso?

O “morrer” em Tristan und Isolde não está em relação com dor e sofrimento. O “Liebestod” é mais do que uma morte, mas um momento de transmutação, de entrega, de chegar ao fim de um ciclo, “consumar”algo que estava determinado. Eu ousaria dizer que Isolde não morre simplesmente, mas ascende aos céus! É o momento que Isolde desperta para os planos espirituais, ela “vê”, “ouve” o que os outros não percebem. Podemos mesmo fazer analogia com um processo iniciático.

Trazer os grande mitos para a nossa realidade atual (realidade que percebemos enquanto humanidade geral) acredito que seja nivelar a situação por baixo. Somos todos Deuses em formação, centelhas divinas, e os mitos vêem nos lembrar dessa condição (ver texto sobre mitos aqui). Entender simplesmente que Isolde morre para ficar com Tristan me parece muito pouco. Esta obra vêem nos mostrar que nós que devemos elevar nossa condição atual à condiçao ideal dos mitos, que existe uma forma de viver em Amor, de “romper” com as convenções, que a possibilidade de estar em harmonia com o Universo e comprêende-lo com toda nossa alma, os processos iniciáticos, estão abertos à todos aqueles que vivem em Amor. Amor com “A” maiúsculo, amor sem egoísmo, altruísta, incondicional, de espírito para espírito.

O Amor de Isolde e Tristan não é o “fim”, mas sim o “meio” para essa condição.

Para melhor “mergulharmos” na “Liebestod”, vamos desfrutar de duas montagens sensacionais que temos disponíveis em DVD. A montagem de Heiner Müller, em Bayreuth, em 1995 e a montagem de Patrice Chéreau, no Scalla de Milão, em 2007, ambos com Waltraud Meier como Isolde, natürlich!

A idéia desse texto não é discutir a respeito das montagens, mesmo porque ambas são maravilhosas, cada uma dentro de seu ponto de vista, mas simplesmente vejo na montagem de Patrice Chéreau uma visão mais humana e na montagem de Heiner Müller uma visão que chamaríamos talvez de “sobre” humana (lembrando que refiro-me especificamente a ária final, o “Liebestod”, que é o nosso tema)

Tive a oportunidade de assistir a montagem de Heiner Müller em video em um evento wagneriano em 2006. Curiosamente na época morava próximo à Igreja da Maria Madalena em Paris, a qual frequentava regularmente. E justamente pensando no lado sagrado da morte de amor de Isolde, me foi impossível não comparar a imagem do altar dessa igreja, que representa a ascensão de Maria Madalena (porém é uma imagem ambígua, parecendo também Jesus Cristo), com o final da montagem de Tristan und Isolde de Heiner Müller. Só posso dizer que estava nos céus depois de assistir essa maravilha! Quanto a imagem, vejam vocês mesmos! (sem querer comparar Isolde com a figura de Maria Madalena muito menos de Jesus, simplesmente a forma de "ascender", a forma "sagrada" deste momento)

Ai esta a cena final...

... e este é o altar da igreja...

Interessante, não?!!


Já a montagem de Patrice Chéreau, que é magnífica dentro de uma visão mais humana, assisti ao vivo a sua estréia em transmissão pela TV, e no momento do “Liebestod”, além de toda emoção, fiquei um pouco chocada! A idéia de derramamento de sangue na morte de amor me incomoda um pouco.


O sangue é o meio de expressão para o espírito em relação ao seu corpo físico. E derramamento de sangue esta diretamente relacionado com sacrifício. O maior exemplo que podemos ter é justamente o sacrifício de Jesus Cristo pela humanidade, através do sangue que escorreu no momento de sua morte; porém Isolde não se sacrifica, ela não morre por Tristan, nem pelo amor, mas sim de amor, de êxtase divino.


Isolde busca um estado de espírito para consumar o amor divino que ela conquistou, fruto do processo alquímico da transformação da paixão em amor que acompanhamos no decorrer da obra. Sendo assim ela encerra com as palavras: “nesta onda universal da respiração do mundo, eu mergulho, eu me afogo, inconsciente, êxtase máximo!”


E então podemos mergulhar junto com Isolde, aqui na montagem de Patrice Chéreau:


E aqui na montagem de Heiner Müller:

Amfortas e a ferida da humanidade

Em diferentes versões do mito de “Perceval”, a ferida do Rei encontra-se justamente na região sacral, ou seja, nos orgãos genitais. Em sua obra “Parsifal”, Wagner representa a ferida do rei Amfortas na região abdominal, justamente no “lado”. Uma possível interpretação seria a analogia da ferida de Amfortas com a ferida de Jesus Cristo. Porém Amfortas não é o “Redentor”, mas sim espera pelo Redentor.

Como vimos com a Annick de Souzenelle, as palavras “costela” e “lado” são a mesma palavra em hebreu. Eva foi feita, não da costela, mas do “lado” de Adão, representando o seu lado feminino, aquele que ele deve unir-se, tomar como esposa, para tornar-se um Ser completo.

Amfortas porta a ferida incurável no “lado”, pois não sabendo dominar-se, deixou-se seduzir, caindo do nível divino para o nível carnal. Mas por que Parsifal resiste ao poder de sedução de Kundry? Sendo o puro, tolo, inocente, Parsifal é ainda ingênuo, precisa de alguém que lhe indique o caminho do casamento místico, o casamento do masculino e feminino que deve acontecer no interior de nós. E quem mostra tal caminho é justamente Kundry, o feminino em si, lembrando à Parsifal a memória de sua “mãe”. O ser humano tem uma memória secreta o ensinando que seu destino divino é o casamento com sua “mãe das profundezas” , seu femino interior, devendo então buscar o equilíbrio entre seus pólos feminino e masculino. “Macho”, masculino, em hebreu significa “se lembrar” e “fêmea”, feminino, significa “recipiente que contém”. O ser humano, criado a imagem e semelhança de Deus, trabalha seu pólo masculino uma vez que se lembra da Imagem de Deus enquanto sua essência, partindo assim à conquista do seu “feminino” interior, a imensa reserva de energia que jorra da inesgotável e profunda fonte interior do seu Ser.

Partindo de uma visão simplista, Kundry seria a figura da “prostituta”; definição aceitável se partirmos do idioma hebreu, onde prostituta e santa são a mesma palavra! Pois Kundry nada mais é que o espelho que Parsifal precisa.

A pureza de Parsifal o permite ver essa dualidade em Kundry, tanto que seu destino é exatamente aquele indicado por Kundry: ele vai errar pelo mundo, encontrar todos os caminhos exceto aquele que ele procura, que é o caminho que leva à Amfortas, para poder curá-lo.

Em sua errança pelo mundo, utilizando apenas do poder curador da lança, ele é o Servo de todos, e através do Serviço, de uma vida pura, ele “conquista” seu lado feminino, seu casamento com o divino, podendo assim indicar o caminho para Amfortas, finalmente curando-o.

Lembremos que nós, enquanto humanidade, portamos a mesma ferida que Amfortas, caímos do nível divino para o nível carnal, onde dependemos também do “Redentor”. Conquistemos nossa pureza interior, através do amor, tornando-nos “Parsifal” para assim também não so aguardarmos pela redenção mas sim colaborarmos no alívio da dor da humanidade.

Porque se "confessar" à Waltraud Meier?

Desde que comecei com o blog há alguns anos atrás, o motivo sempre foi o amor e devoção pelas obras de Richard Wagner, mas sempre pensei que seria interessante eu “explicar” o porque das “confissões” serem justamente à Waltraud Meier...

na verdade são varios motivos... talvez seja em função da primeira vez que a vi cantar ao vivo em Paris (23/02/06) que senti que sua voz falava diretamente ao meu coração, e eu, ingênua, nem sabia que ela era simplesmente a maior cantora wagneriana dos nossos tempos (para mim, de todos os tempos!),mas depois disso só tinha uma certeza em mente “preciso ouví-la cantar Isolde!” e ai que começaram as inspirações dos textos...

mas talvez seja depois que assisti seu portrait, que a sensação que tive era que conversava pessoalmente com ela, pois parecia que o dvd respondia às minhas perguntas...

talvez seja depois da primeira vez que dei um livro para ela e ela respondeu: “mas como você sabe que eu me interesso pelo assunto?”...

talvez seja pelas influências astrológicas e vários pontos que temos em comun...

talvez seja, simplesmente pela pessoa fantástica que ela é... talvez ai vocês me perguntem “como você pode afirmar isso?”, simples: pela transparência que ela é, pela sua forma de viver os personagens em cena, pela sua forma humilde e discreta de ser, eu diria que é muito fácil saber realmente quem é Waltraud Meier...é só olhar em seus olhos, pois o brilho que vem de seu coração não a permiti “mentir” ou transparecer qualquer coisa que não seja seu coração, ou seja, sua alma... Em uma das cartas que entreguei à Waltraud dizia que ela é um ser humano que realmente vive a trindade do BOM, do BELO e do VERDADEIRO, que é exatamente a essência da musica de Richard Wagner... e acho que é isso, acredito que o próprio Wagner adoraria tê-la conhecido e se "confessaria" à ela também!

Para compartilhar isso com vocês preciso colocar esse trecho do seu portrait que sempre fala ao meu coração, pois sempre que assisto, mesmo sabendo quase “de cor”, sinto um "arrepio" de como se estivesse assistindo pela primeira vez... espero que isso não seja “violação de direitos autorais” pois meu interesse é sempre o mesmo: compartilhar com os amigos o que vem do coração.

E fica também o convite para quem quiser “confessar” algo também, seja a admiração pelas obras wagnerianas, ou pela Waltraud, ou pelos dois! (que é o mais provável!)

Deixem seus comentários!



Segue a transcrição do video: “Se me perguntam: porque Wagner tornou-se, de certa forma, “meu” compositor..., não posso dar resposta sucinta,... sem dúvida, nunca chegarei ao fim desta questão..., eu tento responder indo além da simples afirmação que apenas me interesso profundamente à complexidade da sua obra, que exige muito de mim mesma..., se tomamos apenas os aspectos psicológicos presentes na sua temática lírica, pode-se estudar a psicologia de cada personagem, decifrar a sua personalidade, pode-se abordar Wagner sob ângulos muito diversos, é possível consagrar a sua vida só a um aspecto, por exemplo a psicologia, a filosofia, ou simplesmente o texto, de um ponto de vista meramente técnico; pode-se estudar a orquestração, a linha mélodica, o tratamento da voz, e depois pode-se considerar todos os elementos juntos..., no que me diz respeito, acredito que seja uma reflexão infinita, tenho a impressão que nunca chegarei a resposta dessa questão..., espero que possa ter a chance de ter uma outra vida, assim poderei continuar a minha reflexão… e é exatamente isso que acho fascinante em suas obras..., se interrogar-me qual a minha opinião sobre os outros compositores de óperas, em comparação com Wagner, eles me parecessem ligeiramente simples..., as suas obras são magníficos, certamente, de melodias prodigiosas, que tocam-nos o coração, mas tal unidade eu encontro apenas em Wagner”