Foto de Alvaro Garcia, Jornal "El Pais"

KUNDRY : vilã ou heroína?


Uma das coisas que mais me atraem em um personagem é a força de caráter que ele porta.

Dos nossos heróis wagnerianos sem dúvida que todos portam uma força incrível, mas alguns não são necessariamente heróis, porém conquistam essa força e tornam-se heróis.

Brünhilde, por exemplo, é naturalmente uma heroína, mas penso no caso em Kundry, que é justamente aquela que vai testar o herói, mas que é também o espelho fundamental para Parsifal, sem a qual ele não salvaria Montsalvat.

Kundry... misteriosa, sem origem conhecida, com olhos que tudo vêem e ouvidos que tudo ouvem, que acompanha os cavaleiros seja na salvação ou na perdição. Ela que atravessa continentes, planos, dimensões; destinada a errar pelo mundo, portando em si o conhecimento, é a serpente, a mulher enquanto “Eva”, enquanto princípio.

Kundry que serve à dois senhores: ao Graal quando dispertada por Gurnemaz, à Magia (negra) quando dispertada por Klingsor. É a mulher selvagem, a mulher sedutora, a mulher servidora. É ela que dominada pelos seus desejos inferiores, de natureza sensual, que incita os cavaleiros a perderem o domínio de sua energia criadora, é ela, e somente ela que pode indicar os caminhos à Parsifal, que é inocente até conhecer Kundry, quando ela proporciona à Parsifal à possibilidade de, através do conhecimento, transformar essa inocência infantil que só é inocente pois não conhece, em uma pureza que aprende a renunciar.

Parsifal precisa inclusive da maldição de Kundry, que diz que ela encontrará todos os caminhos, salvo aquele que ele busca, pois é só errando pelo mundo que ele conquista as experiências do mundo, de utilisar a lança, o poder espiritual, para curar, nunca para ferir, e depois de servir pelo mundo finalmente conquistar o mérito de tornar-se rei do castelo de Montsalvat e curar a humanidade, curar Amfortas, o homen caído.

De Herodias, a mulher que pediu a cabeça de João Batista em uma bandeja, à Maria Madalena, a mulher que Jesus Cristo expulsou 7 demônios, que lava os pés de Jesus e O vê após à Ressureição, Kundry é um universo de possibilidades.

É a grande figura wagneriana, criada pelo próprio Richard Wagner, pois não temos referências mitológicas exatas à respeito de Kundry da forma que encontramos na Kundry de Wagner.

Um estudo de misticismo designa como método de disciplina espiritual, o que chamamos de 3 votos: Voto da Pobreza, da Obediência e da Castidade. Esses 3 votos são em sua essência, lembranças do “Paraíso”, onde chamamos de Obediência quando o homen era unido à Deus, onde ele possuia tudo na medida que necessitava (sem apegos), que chamamos de Pobreza, e onde sua companheira era por sua vez sua esposa, sua amiga, sua mãe e sua irmã, que chamamos de Castidade. Pois a comunhão total entre o espírito e o corpo implica na integralidade absoluta do ser espiritual, anímico e corporal, no amor puro e casto, pois ai ama-se da totalidade do ser. Amar é sentir algo como plenamente real, despertando –se para a realidade de nós mesmos,que nos levará para a realidade do outro, do próximo, da humanidade.

Kundry, que desperta Parsifal para a realidade de si-mesmo no momento que ela o nomeia, vai passar por “mãe”, como que guia (amiga) para que ele descubra suas origens, até passar-se por esposa, amante revelando à ele mais do que as dores do mundo, as dores de amfortas, mas sim o Amor e as dores da Paixão, quando não conseguimos vivenciar esse amor puro e casto, até mostrar seu destino maduro para Parsifal implorando uma redenção, e deixando claro para Parsifal que ele só aliviará essa dor da Paixão indo ao encontro do amor pela humanidade.

Kundry, condenada à errar por vidas e mais vidas, precisa encontrar aquele que à rejeita, aquele que acessa o conhecimento (“KUNDe”que significa conhecimento em alemão, com o mesmo radical que KUNDry. No segundo ato Kundry diz à Parsifal: “Was zog dich hier, wenn nicht de Kunde Wunsch?” O que te atraíu até aqui senão o desejo do conhecimento?) do mundo, horizontal, que Kundry proporciona e que será a base para a conquista do conhecimento vertical, a sabedoria espiritual.

E Kundry após servir como caminho para o processo de Iniciação de Parsifal, finalmente acessa ao Graal, participa da cerimônia iniciática e pode, mais do que morrer, libertar-se da roda do destino, dos ciclos incarnatórios, conquistando a esperada redenção.

E claro, dedico esse texto à querida Waltraud Meier, que muito contribui nas inspirações à respeito de Kundry, que porta em si a sintese das possiveis incarnações da personagem (Herodias, Maria Madalena, Gundriggia, etc) e que é (na minha opinião) A melhor Kundry de todos os tempos!


Para aqueles que se interessarem sobre os métodos de disciplina espiritual, segue indicação da fonte: "Meditações sobre os 22 Arcanos Maiores do Tarot", autor anônimo.

1 commentaire:

  1. Eu assisti a ópera Parsifal e fiquei bastante sensibilizada, principalmente por que o Wagner conseguiu, de uma maneira impressionante, entender as minhas questões em relação a profundidade espiritual cristã.
    Em relação a Kundry, eu interpretei da seguinte maneira: ela sofre muito, o tempo todo. Mas ela tem algumas contradições marcantes, ao mesmo tempo que se submete as manipulações de kingsor, percebe o mal que causou e tenta reparar o dano. Eu vejo ela como uma mulher que se importa e que é totalmente aberta para o outro. Qualquer um que se aproxima pode lê-la, manipula-la, acessar a sua dor. Essa abertura ética para os outros me impressionou muito nela. Como ela se importa, pois muitos vivem superficialmente, fechados em si e para os outros, mas ela não, o contato com o outro é sempre avassalador.
    Parsifal, acima de qualquer coisa, na minha opinião, compreendeu a dor dela. No momento que ela tentava dominá-lo pelo prazer a sair do seu destino, ao invés de entrar em guerra dos gêneros pelas más intenções da Kundry, ele viu uma mulher que sofre, num mundo de pessoas que sofrem, onde ele próprio sofre. A experiência de Cristo aqui na terra foi um contato com essa experiência humana, que no final, resultou e foi reafirmado pelo amor e abertura ao outro, sem ressentimento.
    Eu acho que essas são as boas novas de Jesus.

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