Foto de Alvaro Garcia, Jornal "El Pais"

O papel do silêncio em Tristan e Isolde


Querida Waltraud,

Fiquei "sumida" um tempo aqui do nosso "ponto de encontro", mas esta minha ausência, meu silêncio me proporcionou algumas inspirações...

Depois de tantas vezes me encantar com a música de “Tristan und Isolde”, encontro-me também encantada com os “silêncios” que tanto “falam” nessa obra.

Gosto de comparar o silêncio com o caos, pois ambos são as bases da criação. « O Caos é a terra que nutri o Cosmos », diz os grandes ocultistas. A união do Cosmos com o Caos produz a cada vez alguma coisa de novo, que não estava nem pré-figurada, nem em estado latente, é em algum nível o que chamamos de genialidade.

O Silêncio é o Caos do som, do Cosmos; a música é o “gênio”, fruto dessa união. O Silêncio, enquanto base para o som, é o ponto de partida para a música, determinando o início dos ciclos.

Esotericamente chamamos de “grande silêncio” a experiência do espírito que, ao deixar o corpo físico, deixando também toda “matéria” relacionada à desejos e sensações, encontra-se num estado de perfeita consciência, de grande calma, onde qualquer imagem ou sensação parecem apagarem-se, até mesmo a faculdade de pensar, porém, nesse estado o espírito sabe simplesmente que ele É, onde, sendo sustentado pelo Eterno, sua alma é preenchida por uma paz maravilhosa que ultrapassa toda inteligência.

O drama de “Tristan und Isolde” (Tristão e Isolda) é um drama de silêncio, mas também de segredo, o que dá beleza a esta obra.

As palavras “silêncio” e “calar-se” estão sempre presentes, seja o silêncio de Tristan em relação à Isolde no 1°Ato, não querendo falar com ela, seja o amor que Isolde escondeu mesmo de Brangaene, onde tudo é claro para Isolde, mas somente para ela, quando diz:

O blinde Augen,
Oh! Olhos cegos,

blöde Herzen!
corações néscios!

Zahmer Mut,
Espírito domado (de)

verzagtes Schweigen!
(o) silêncio desesperador!

Wie anders prahlte
De que outra maneira

Tristan aus,
Tristão abertamente bravateou-se,

was ich verschlossen hielt!
daquilo que eu mantive encerrado!

Die schweigend ihm
Àquela que, fazendo silêncio

das Leben gab,
deu a ele a vida,

vor Feindes Rache
guardando-o silenciosamente

ihn schweigend barg;
da vingança do inimigo;

was stumm ihr Schutz
Àquilo que a proteção dela

zum Heil ihm schuf ---
a ele proporcionou salavação -

mit ihr gab er es preis!

com ela, ele isto entrega (abandona)!


Seja também no momento de tomar o filtro, que Tristan ouve a “Rainha do Silêncio”, ou o majestoso dueto de amor do segundo ato que termina no silêncio do êxito, seguido do silêncio do Rei Marke ao descobrir os amantes quando Tristan diz que isto o rei não poderia entender, até seu ápice, “Liebestod”, a morte de amor, onde Isolde diz:


Höre ich nur

Só eu que escuto

diese Weise,

esta melodia,

die so wunder-

maravilhosa

voll und leise,

e sutil

Wonne klagend,

Deliciosa e lângida

Alles sagend,

Tão eloquente

mild versöhnend

docemente reconciliante

aus ihm tönend

que jorrando dele

in mich dringet,

se infiltra no meu ser

auf sich schwinget,

que dele vibra

hold erhallend

com doçura

um mich klinget?

E ressoa em mim?


E assim ela descreve esta experiência de viver o “grande silêncio”, onde a morte dá lugar ao amor, onde o espírito É e Isolde mergulha no caos, no silêncio, no hálito do Universo.